Texto Cidade Mística


 


CIDADE MÍSTICA

Festa-teatro

 

 

Roteiro base: Marcus Mota (2023)

 

 

Elenco

 

Coro cênico de 15 pessoas, que vai executar diversos papéis durante o espetáculo.

Banda, composta por guitarra, baixo, teclado e percussão, todos caracterizados de hippies dos anos 70.

 

 

 

 

No hall de entrada, exposição de fotos e cartazes que relacionam Brasília ao misticismo como:

a- trechos da profecia de Dom Bosco

“Entre os graus 15 e 20 havia uma enseada muito grande e muito longa que partia de um ponto onde um lago se formou.

Quando se vier a cavar as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá aqui a terra prometida que vai jorrar leite e mel. Será uma riqueza inconcebível".

 

b- Sobreposições de pirâmides egípcias e construções em Brasília, como Teatro Nacional e o Memorial JK

 

c- Plano piloto como uma nave, um Ovni no ar

 

d- os rituais do Vale do Amanhecer

 

e- o céu sem fim, no por de sol de Brasília

 

f-  pedras preciosas, cristais

 

g- multidões de trabalhadores, os candangos.

 

H- Trecho da Constituição de 1891:

 

Art 3o - Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital federal. Parágrafo único - Efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado.

I- Hipólito da Costa, Correio Braziliense, 1813

 

“ O Rio de Janeiro, não possue nenhua das qualidades, que se requerem, na cidade que se destina a ser a capital do Imperio do Brazil; e se os cortezãos que para ali fôram de Lisboa, tivessem assaz patriotismo, e agradecimento pelo paiz, que os acolheo, nos tempos de seus trabalhos, fariam um generoso sacrifício das commodidades, e tal qual luxo, que podiam gozar no Rio de Janeiro, e se iríam estabelecer em um paiz do interior, central, e immediato às cabeceiras dos grandes rios; edificariam ali uma nova cidade, commeçariam por abrir estradas que se dirigissem a todos os portos de mar, e removeriam os obstáculos naturaes que tem os diferentes rios navegáveis, e lançariam assim os fundamentos ao mais extenso, ligado, bem defendido, e poderoso império [...] Este ponto central se acha nas cabeceiras do famozo rio de S. Francisco. [...] e se pode comparar com a descripção que temos do paraizo terreal.”

 

 

 

 

 

Antes das portas do teatro se abrirem, o público aprecia a exposição. Há sons de acordes não resolvidos, percussão esparsas, vidros quebrados, e um murmúrio indistinguível de vozes. Depois de alguns instantes, após o terceiro sinal, abrem-se as portas do teatro. Entrada do público. Uma luz forte vindo do palco vazio.  Enquanto se sentam, o murmúrio de vozes se transforma na para a primeira canção. Os cantores estão distribuídos nas laterais do teatro.

 

 

 

 

 

CENA 1. Cosmo

Escuridão total. Entram todos do coro andando lentamente de um lado para outro com celulares. Movimento aleatórios, para mostrar hábitos do individualismo. Coro faz sons de um vozerio em baixa frequência, como murmúrios do universo, sem palavras. O coro se move pelo espaço, cada integrante com seu celular, cada integrante com seus chiados. Não há emoção, não há personagem. Forma-se uma rede de fios imaginários e invisíveis. Sobre essa movimentação projeta-se aos poucos uma paisagem cósmica: noite de um céu estrelado.  Quando essa noite ficar completa, um integrante do coro canta a primeira canção do espetáculo. Enquanto isso, os outros coralistas vão se inserindo na canção.

 

 

Canção da cidade

 

A cidade ateia

seu circo emprestado

entre becos e ruas

que vazam esquinas

pra nos proteger.

 

O chão de concreto

nos joga a razão

de um sonho feliz

sem luta ou cansaço

pra nos proteger

 

Mas nessa mesma miragem,

eu busco outra paz,

eu quero outra vida

eu vejo outro mundo

com todos e ninguém

 

Mas nessa outra verdade,

eu não tenho mais amigos,

não tenho mais saída,

não vejo outro mundo,

de todos, de ninguém.

 

(ad libitum)

A cidade sabe tudo,

dia, noite som e céu.

A cidade sabe tudo,

dia noite, som e céu

 

 

 

CENA 2

Sob a trilha instrumental de um baião-rock, temos Projeção dos vídeos de construção de Brasília: os prédios públicos da Esplanada dos Ministérios, o lago Paranoá, acampamentos de trabalhadores.  Entra uma arquibancada móvel de madeira, sendo empurrada e girada pelo coro. O coro entra como os trabalhadores da cidade de Brasília. Eles entram de chapéus e roupas suada, de cor da terra, e portam enxada e pás. Após pararem no centro do palco, começam utilizar a arquibancada móvel com uma escada, como indo para o trabalho em uma esteira.

 

Canção de trabalho

 

Todos:

Pra cima nós vamos

pra trabalhar

pra cima nós vamos

depois comer e dançar.

 

Solo:

Quando eu era pequenino

e brincava de peão

não sabia a profecia

do mar virar sertão

não sabia que um dia

iria dar nesse mundão

 

Todos:

Pra cima nós vamos

pra trabalhar

pra cima nós vamos

depois comer e dançar.

 

Esse sol nas minhas costas

tá me assando sem favor

me comendo as beiradas

me virando num horror

eu só peço mais clemência

do meu pai o meu senhor.

 

Todos:

Pra cima nós vamos

pra trabalhar

pra cima nós vamos

depois comer e dançar.

 

 

Todos (ad libitum):

Eu só peço mais clemência

do meu pai, o meu senhor.

 

Falado:

Uma escada divina

uma cidade dos céus

“Que os homens de amanhã que aqui vierem

 tenham compaixão dos nossos filhos. ”

 

 

Depois da canção, o trabalho vira festa, bebedeira.  Como em um improviso, um dos integrantes do coro pega um livro jogado no chão, sobe no alto da arquibancada móvel, e começa a recitar como se lesse:

 

“ Então o faraó deu a seguinte ordem pro seus oficiais: Não forneçam mais tijolos e cimento e água pra ninguém. E eles continuem a construir meus palácios, minhas torres e pirâmides. Que essa cidade venha de onde tenha que vir! Que venha do sangue, dos sonhos, dos ossos!”

Outro integrante do coro sobe as escadas e empurra o primeiro recitador e toma o livro. Então começa a dizer novas palavras. Cada vez que o nome “Aquenáton” é pronunciando, temos forte percussão.

 

“ Aquenáton, grande Senhor! Aquenáton, que nos trouxe o Sol! Aquenáton, nosso protetor! Aquenáton, pra ti bebemos! Aquenáton, puro amor!

 

Segue-se vocalizes com vogais do coro, sob som de tambores.  Temos uma dança ritual de nascimento do sol

 

 

CENA 04

Entram pessoas conversando, vertidas de peregrinos, com mochilas nas costas.

 

- Estão construindo uma cidade nova no interior do Brasil.

- Do Brasil?

- Tá indo gente de todos os lugares pra lá.

- É uma coisa perigosa, maluca, mas necessária.

- Gente de todas as cores, crenças, nomes.

- Eu vou mudar meu nome quando chegar.

- Diz que fica assim numa região plana, alta.

- Tenho certeza que é uma região especial, única.

- Vamos todos ficar juntos, mais perto do céu.

- Todo mundo tá indo, é uma maravilha.

- Tem de ser bom, eu preciso que seja bom.

- Tanta gente no mundo, tanto lugar, mas nenhum como esse.

- Imagem criar uma cidade do nada, brotando da terra!

- Todo mundo tá indo, não tem erro!

-  Lá vamos ser felizes!

- Lá não vai haver fome!

- Lá vai ser uma festa sem fim!

- Basta seguir o sol.

- Vamos que falta muito!

- Gente de todas as cores e crenças.

- Eu vou mudar meu nome!

- Tem que sem bom, tem que dar certo!

 

Escuridão. Céu salpicado de estrelas. Coro dança formando uma constelação. Após a dança, entra uma personagem caracterizada como um sábio indiano, com um jarro  de barro nas mãos.

 

 

CENA 05

Sozinho em cena. Andrógino construído com um homem e uma mulher

 

SÁBIO INDIANO  (fala recitando)

Com a cabeça inclinada, purificando-me saúdo,

a raiz das gerações – dias, noites, meses –

o curso inabalável do sol.

Tudo é movimento, tudo é número,

diz o sábio que não descansa ou se apaga.

Aquele que entender a dança do sol, da lua e dos planetas

vai desfrutar, após a morte, da vida além dos astros, a fonte da luz.

Tomem a medida desse jarro:

cinco copos de água, nem mais nem menos.

Toda a água do mundo não é maior ou melhor.

(ele inclina o vaso e “jorra” partículas luminosas, areia fluorescente)

E assim é um tempo e a metade dele e sua outra parte desconhecida:

um meio líquido, um vazio poroso repleto de vazios,

suspenso entre o alcance da mão e uma baforada de calor.

É que os deuses estão aqui conosco:

eu sei seus nomes, suas formas, seus cabelos, sombras.

É que o mistério morde as bordas da figura e de suas pegadas.

Use a regra: pegue o resultado e multiplique pela que você quer encontrar

e divida essa soma pela quantidade que daquilo que já se sabia.

Calcule e sonhe,

dobre a curva e siga em frente,

Há cinco copos de água nesse jarro,

o suficiente para o jarro

e não para mim e para você.

Quantas vezes a lua gira em volta de si mesma?

Quanto é distância daqui para o sol?

Quanto dias são necessários para você deixar de me ouvir?

 

E para onde giram os astros?

E por que não se partem em mil pedaços,

e não caem sobre nossas cabeças?

E nos atacam, nos calam, nos apavoram,

pois é isso que fazemos uns com os outros...

 

É que tudo está desfeito e estraçalhado,

só nos resta contar, fracionar, calcular,

explodir em porções cada vez menores,

e imaginar que estamos empanturrando o mundo

com vestígios das coisas que pensamos juntas,

unidas, reais – as coisas que não temos, nem somos.

 

(junta a poeira brilhante e tenta colocar de novo dentro do jarro)

 

 

 

 

CENA 6

 

Águas e cores de cachoeira.

Coro dança como se brincasse em uma cachoeira de verdade: jogar água para cima, correr contra a resistência da água, lavar o rosto molhado, pegar água e deixar escorrei pelos dedos, arrumar e secar o cabelo molhado, jogar água nos outros, abraçar o corpo com frio. Depois das brincadeiras, escurece e arma-se uma fogueira. Em torno da fogueira cênica, o coro se reúne com música instrumental de violão, sem letra, apenas frases aleatórias em boca chiusa (boca fechada). Da fogueira cênica irrompe um jogo de luzes girando, múltiplas cores refletindo nos rostos do coro e depois no palco inteiro. Depois os integrantes do coro apontam lanternas para o fundo do palco e eis que vem como se voasse uma divindade indígena, o Caboclo. Ele chega imponente carregando seu arco e flechas. Sob o som de um batuque, ele recita sua sabedoria

 

CABOCLO

Do alto dessas terras

vêm as maravilhas do mundo.

O que acontece nas matas

acontece no outro mundo.

As fronteiras dessas águas

são as águas de outro mundo.

 

Quando uma estrela cai

no céu se faz um rabisco,

quando uma planta morre,

chove deus, chove chuvisco,

quando uma planta morre

morre deus, homem, bicho.

 

Do alto dessas terras

eu vigio cada passo

daqueles que metem medo

daqueles que têm cansaço.

Que ninguém fuja das matas

e caia em meus braços!

Que ninguém fuja das matas,

e caia em meus braços.

 

Ao som das últimas frases, o coro se ergue e volta para sua dança enquanto o caboclo desaparece ao fundo do palco. Festa em volta da fogueira.

 

CENA 7

Projeção das imagens-traços que Lucio Costa apresentou em seu esboço do Plano Piloto de Brasília.  Foco nos dois eixos que se cruzam em um ângulo reto: cruz, sinal da cruz. Essa cruz gira e gera vento. Do vento, do fundo do palco, vem a figura ornada como uma estátua de Nossa Senhora Aparecida: eis uma mulher negra, sustentada pelo coro, como se fosse um item de procissão. O coro como um cordão de carnaval, numa marcha em ritmo de afoxé. Depois de sua entrada, a Nossa Senhora Aparecida passa a dançar em seu “carro alegórico”. Após instantes de seu desfile ela começa um canto responsivo com o coro e com o público. Folhetos com a homilia são distribuídas para o público, impressas as partes da mulher e da audiência

 

NOSSA SENHORA APARECIDA (lendo com óculos)

Senhor Deus, deuses, todos os espíritos!

PÚBLICO

Eles estão no meio de nós!

NOSSA SENHORA APARECIDA (joga o panfleto fora)

Tá na hora de revelar o que estava oculto,

de mostrar o que se sabe,

de cumprir com nossa sina (ela arranca a peruca, mostrando sua cabeleira afro, e vai desabotoando o corpete de santa.)

PÚBLICO

Corações ao alto, eles estão entre de nós.

NOSSA SENHORA APARECIDA

Todos nós temos um sol interior,

continuamente em movimento, eterno.

Estamos ao mesmo tempo aqui e longe,

sentados em nossas casas e vagando no infinito.

Somos astros, galáxias, entidades e terra escura.

Uma ideia, uma piscadela, um refluxo, um caminho no meio da montanha.

Com o coração angustiado não contemplamos o amplo horizonte.

Com o coração cheio de terra afundamos no vazio do esquecimento.

Há muitos planos, outras geometrias.

Vivemos dentro de uma xícara emborcada, torta.

Vivemos ao mesmo tempo nos céus e na nossa rua.

Por isso eu vou juntar todos em uma cidade dentro de uma cidade,

um vale dentro de um vale, pra prender o sol, pra estudar o sol,

pra rasgar os peitos e parir o sol em cada peito,

e tirar essas carnes, e essas roupas, e minha nudez será me vestir de novo,

com as indumentárias que vou andando,

(o coro volta a fazer sua procissão, em volta da mulher)

as cores, as vibrações, os símbolos,

vou andando os caminhos abertos,

as trilhas da luz, o sol em sua trajetória,

os outros planos, as outras vidas,

a cidade dentro da cidade,

uma festa sideral,

todos unidos

CORO

Todos juntos!

NOSSA SENHORA APARECIDA

Estamos onde vemos o universo, um coro de almas!

CORO

Bendito aquilo que vem de cima!

NOSSA SENHORA APARECIDA

Os céus se abrem, a paz nos alcança!

CORO

Luz nos corações! Um sol em nosso peito!

NOSSA SENHORA APARECIDA

Se abracem, se amem, tudo foi revelado!

CORO

Eles estão no meio de nós!

Eles estão no meio de nós!

(vão saindo todos de cena)

 

 

CENA 8

Escuridão. Após alguns instantes são emitidas sonificações de galáxias: imagens de galáxias com suas frequências de cores e movimentos transformadas em arquivos de som. Forma-se uma instalação com as imagens e sons de galáxias partilhadas pelo palco e plateia. Não há canto, não há o coro em cena: apenas a experiência de a sala do teatro se converter em um observatório das estrelas. Após um tempo dessa exposição aos astros, o coro entra com roupas brancas e se assenta no centro do palco em uma roda e começa a olhar para cima e a girar, apontando as estrelas em movimento.

 

CENA 09

O coro no centro do palco realiza a brincadeira do “passa o anel”. No lugar do anel, é uma pedra de cristal. Não há falas. Uma integrante do coro se ergue, a corifeia da cena,  arruma as mãos em concha, com uma pedra brilhante dentro da concha. Os outros integrantes do coro estão sentados com as mãos em concha também, aguardando. Enquanto a corifeia vai passando suas mãos em concha nas mãos do coro, há muita expectativa, animação ansiedade. Ao fim do jogo, a corifeia abre suas mãos e manda todos fazerem o mesmo. Nas mãos de todos há uma pedra brilhante. Cada um se põe a examinar a sua pedra preciosa, como a maior coisa que ganhou em sua vida. A corifeia entoa uma canção

 

Das águas me formei,

às águas vou voltar,

na forma que sonhei,

do jeito que ficar.

 

Eu vim de bem distante

tão longe que não sei,

sou um cristal radiante

sou feita de uma vez.

 

Azul o mais intenso,

da cor do céu, do mar,

eu vibro, viro incenso,

não caibo nesse olhar.

 

Sou luz, sou diamante,

sou dura como a flor,

só peço que me cante

a história da tua dor.

 

Cena 10

 

Imagens de naves voando no céu, um céu futurista, com criaturas híbridas máquinas/humanos.  O coro faz uma imensa roda e começa a bater ritmo com as palmas. Durante essas palmas, de dois em dois integrantes do coro temos saltos, giros, demonstrações de habilidades. Depois que todos se apresentarem, a roda vira um grande semicírculo com todos voltados para a plateia. Começa uma ciranda. O coro se espalha pela sala e dança com o público.

 

Fim


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Transcrição Ensaio dia 31/10/2023

Transcrição Ensaio dia 19/12/2023

Transcrição Ensaio dia 17/10/2023