criação de cenas
Ontem, dia 8 de novembro, mesmo com esvaziamento, tivemos um ótimo encontro.
Flávio trouxe instrumentos de percussão e percussão sempre casa bem com música para cena e improvisação. Foi proposto um ritmo - samba. A partir daí surgiu a parte A de uma canção que vai finalizar nossa performance para o Cometa Cenas.
A técnica de partir de um estilema rítmico é bem utiliza em cursos de composição. Trata-se de buscar um padrão e a partir daí elaborar um melodia. A familiaridade com o padrão integrava os intérpretes num coletivo.
Quando a gente trabalhava com Hugo, ele fazia questão de inserir tais elementos coletivos em momentos especiais do espetáculo - para começar e pra terminar. No caso do samba, há uma atmosfera de comemoração. Então, em termos de dramaturgia musical, trata-se de escolher um ritmo para uma função dentro do espetáculo. E considerar qual o momento inserir tal e tal ritmo.
Depois trabalhamos com texto. Como estamos trabalhando desde o início, foi fornecido um roteiro com cenas e textos. Não houve designação de quem vai fazer os textos. Sant escolheu o texto da cena 05, que tem um sábio indiano andrógino em cena. A cena foi pensada para dois intérpretes, para que a questão do corpo e da voz fosse explorada em suas convergências e divergências. Na cultura sanscrítica, Shiva se manifesta de diversas maneiras. Uma delas é "Ardhanarishvara" ou "Senhor andrógino", "Senhor metade mulher". "Ardhanarishvara" é construído por três palavras: ardha: ‘meio/metade’; nari: ‘fêmea’; e ishvara: ‘senhor'.
SÁBIO INDIANO (fala recitando)
Com a cabeça inclinada, purificando-me saúdo,
a raiz das gerações – dias, noites, meses –
o curso inabalável do sol.
Tudo é movimento, tudo é número,
diz o sábio que não descansa ou se apaga.
Aquele que entender a dança do sol, da lua e dos planetas
vai desfrutar, após a morte, da vida além dos astros, a fonte da luz.
Tomem a medida desse jarro:
cinco copos de água, nem mais nem menos.
Toda a água do mundo não é maior ou melhor.
(ele inclina o vaso e “jorra” partículas luminosas, areia fluorescente)
E assim é um tempo e a metade dele e sua outra parte desconhecida:
um meio líquido, um vazio poroso repleto de vazios,
suspenso entre o alcance da mão e uma baforada de calor.
É que os deuses estão aqui conosco:
eu sei seus nomes, suas formas, seus cabelos, sombras.
É que o mistério morde as bordas da figura e de suas pegadas.
Use a regra: pegue o resultado e multiplique pela que você quer encontrar
e divida essa soma pela quantidade que daquilo que já se sabia.
Calcule e sonhe,
dobre a curva e siga em frente,
Há cinco copos de água nesse jarro,
o suficiente para o jarro
e não para mim e para você.
Quantas vezes a lua gira em volta de si mesma?
Quanto é distância daqui para o sol?
Quanto dias são necessários para você deixar de me ouvir?
E para onde giram os astros?
E por que não se partem em mil pedaços,
e não caem sobre nossas cabeças?
E nos atacam, nos calam, nos apavoram,
pois é isso que fazemos uns com os outros...
É que tudo está desfeito e estraçalhado,
só nos resta contar, fracionar, calcular,
explodir em porções cada vez menores,
e imaginar que estamos empanturrando o mundo
com vestígios das coisas que pensamos juntas,
unidas, reais – as coisas que não temos, nem somos.
(junta a poeira brilhante e tenta colocar de novo dentro do jarro)
Parecem versos, mas é um tipo de escrita que venho desenvolvendo para teatro que não é verso nem prosa. Eu interrompo a linha para marcar o que deve ser dito até ali. No lugar de um texto em prosa, no qual as pausas terão de ser descobertas, eu escrevo marcando essas pequenas pausas de respiração e atenção já no texto. São guias. Faço isso para orientar a performance e para evitar que se entenda o verso em um registro sentimental, com aquela cantiga de "Batatinha quando nasce"...
Eu não expliquei nada disso no início, pois a experiência do nosso TEAC é da pesquisa a ser feita dentro da disciplina.
Então, eu escrevo assim: frases/versos/linhas mais longas, que possui uma pausa ao fim da frase-linha-verso para respiração; frases mais curtas, como golpes, coisas mais diretas, mudanças bruscas.
Não uso a vírgula para marcar pausas e sim ênfases, como em enumeração, em listas de coisas. Já o ponto é ponto.
Além disso, há as palavras-chave que precisam maior força para se pronunciar.
Ou seja, muita coisa para trabalhar.
E estamos juntos.
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