Teatro, música: intensidade, força
Ontem, dia 23 de novembro, continuamos a construir a nossa apresentação para o Cometa Cenas. Estamos saindo das improvisações para tentar construir padrões de cena. Ou seja, estamos construindo no coletivo a montagem do espetáculo, como ele será disposto para uma audiência. Então é essa dupla ação de buscar algo expressivo, de qualidade, uma pesquisa sobre som e movimento e ao mesmo tempo repetir algo que se mostre bem realizado.
Do ponto de vista de quem toca é um exercício interessante: estou conectado aos intérpretes e à orientação de cena ao mesmo tempo. não há muito tempo pra planejar algo: previso ver o que está diante de mim e ouvir o que estou tocando. São decisões criativas rápidas: que pedal, que intensidade tocar, que abordagem (notas, sequências de notas, acordes, blocos de sons. E agora, além de me relacionar com os intérpretes e a orientação da cena, trabalho com o loop, gerando camadas sonoras.
Mas isso agora muda com a ideia de montagem. As escolhas são enfatizadas e as variações são inseridas dentro de sequências temporais e de ações.
Uma coisa que passei a observar é a necessidade então de reunir a expressividade com a precisão. Do lado de quem toca, se tenho de repetir, se tenho de fazer a mesma coisa, tenho te tornar isso claro, audível, sem ser maquinal. A repetição muitas vezes é associada ao contrário da criatividade, pois temos em nossa mente uma dicotomia entre liberdade e regra, entre criação e costume. Hugo costumava dizer que o que ele faz é trabalho. Ele se colocava no mesmo plano de um trabalhador. Existe algo a ser feito e a repetição me leva a ser mais exato, mais eficiente, mais consciente do que eu faço.
Ao tocar, essa precisão se expressa na intensidade, na força que eu uso, no tônus, na relação de meu corpo com a produção do som. Eu preciso sentir que ao manipular a intensidade (fraco, meio forte, forte, fortíssimo, etc) eu reverbero em mim o som e dessa reverberça eu ouço meus atos. Eu toco e me fundo ao instrumento como um gesto. Para quem toca, há o instrumento e seu corpo, duas matérias, dois corpos. Eu preciso criar um terceirto corpo, a fusão do meu corpo com o corpo do instrumento. Isso é o gesto - o gesto é a fusão do meu corpo com o corpo expressivo.
O ator tem os dois, o seu corpo e ao se expressar criar o corpo da figura que constrói.
Assim, tanto o músico quanto o ator ampliam sua corporeidade, sua expressão por meio do gesto, do movimento.
Muitas vezes o que pode acontecer: se eu não expressar a intensidade que é necessária para aquele momento eu não crio esse terceiro corpo, eu me volto apenas para mim e me dissocio de meu instrumento. A precisão está nisso, nesse gesto que alcança o terceiro corpo, a mediação, a fusão entre mim e o que estou construindo.
Algumas vezes posso estar fazendo este ou outro movimento mas eu não o realizo em sua plenitude, interrompo esse transcurso entre meu corpo individual e meu corpo em situação de performance. Ao não completar, fico exposto diante dos outros no meio do caminho entre meus medos, meus receios, minhas inseguração, minha negação e a experiência de ir além de mim, de me inserir em algo que leva à imaginários.
Então um braço não se estica todo, as pernas ficam em situação estacionária, mortas, uma corrida é feita sem muito esforço, uma canção se arrasta em seu tédio.
Realizar o gesto em sua amplitude expressiva toda vez que tiver de ser feito é um desafio. É a maneira de estar dentro da cena, de estar junto dentro da cena. Ao andar, falar, mover os olhos, tudo tem seu peso, sua força sua intensidade, seu poder. Mover-se para ser notado, agir para ser percebido. Força, tônus, músculos. Poder fazer, saber fazer.
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